Terminada a apuração do 1º turno das eleições de 2014 das urnas emerge um cenário onde o PT alcança um número menor de votos para presidente do que inicialmente esperado e o PSDB, com Aécio Neves, virtualmente renasce e consegue ocupar o segundo lugar que antes cabia a Marina Silva. Marina Silva, alçada ao estrelato após a morte de Eduardo Campos, termina a disputa em terceiro lugar, com 22 milhões de votos. A candidata não se consolidou como alternativa viável e representou 21,32% do eleitorado (em 2010, também na terceira posição, havia arrebanhado cerca de 20 milhões, 19,33%). Logo, demonstram os números, Marina Silva continua onde sempre esteve, na posição de liderança carismática – no seu caso melhor dizer messiânica – e isolada de partidos em uma trajetória marcadamente pessoal.
Outra constatação óbvia a ser observada é que a disputa PT x PSDB, consolidada pelo segundo turno entre Dilma Roussef e Aécio Neves, continua presente a nível nacional e se torna cada vez mais nítida. Esta disputa teve início em 1994 quando FHC venceu Lula no primeiro turno.
Uma olhada no atual mapa eleitoral deixa claro que o PT, em linhas gerais, vence no norte/nordeste e encontra maior oposição no centro oeste e parte do sul. A hegemonia do PSDB está claramente definida em São Paulo e no Paraná, estados onde o partido elegeu o governador em primeiro turno, fez seu senador e Aécio Neves foi mais votado que Dilma Roussef, façanha que o PT não obteve em nenhum local. Em Pernambuco, onde a figura de Eduardo Campos, ex-governador do estado, foi marcante o PSB com Marina também fez “barba e bigode”.
Olhando a configuração do mapa eleitoral, nota-se que o eixo conservador caminha do sul/sudeste para o centro oeste, claramente demarcada entre a região financeira/industrial e a agroexportadora, ou seja, onde se instala o capitalismo brasileiro.
Estes dados parecem confirmar a tese de alguns analistas que afirmam estar em curso no Brasil uma disputa entre dois modelos de desenvolvimento; um tipicamente neoliberal, fortemente marcado pela subordinação ao movimento financeiro e ao capital internacional e, de outro lado, um movimento popular e democrático, de caráter nacionalista, desenvolvimentista e socialmente inclusivo, sendo estes modelos representados por uma esquerda com traços nacionalistas e uma direita aliada ao capital.
Apesar do PT ter eleito a maior bancada de deputados federais (70), houve um avanço no conjunto da direita e a avaliação corrente é a de que o próximo legislativo será mais conservador do que o atual. Se considerarmos como sendo integrantes do campo progressista e/ou da esquerda seis dos 28 partidos representados na Câmara dos Deputados (PT, PCdoB. Psol, PSB, PDT e PV) veremos que a bancada passou de 183 para 146 eleitos, uma queda de 20%.
Já no Senado a coisa foi melhor; em 2006, última eleição onde se escolheu um Senador por estado, quatro partidos de esquerda (PDT, PSB, PT e PCdoB) elegeram 5 representantes, neste ano foram 9, mas, desta vez, o PCdoB não conseguiu eleger nenhum senador. Mas no Senado a matemática é outra, como a renovação foi de um terço, a bancada final é resultado da soma dos atuais eleitos com os que ainda permanecem no cargo, assim sendo, estes mesmos partidos ficam com 27 cadeiras, contra 25 anteriores, portanto, um crescimento de 7,4%. No cômputo geral o PMDB se mantêm como a maior bancada, com 18 parlamentares.
Diante destes números uma esfinge perturba os analistas; onde foi parar a onda de protesto que abalou o Brasil no ano passado e prometia a renovação?
Uma das primeiras respostas credita a culpa ao fato de que muitos não foram votar. Cerca de 30% dos eleitores não optaram por nenhum candidato a presidente; 19,39% não compareceram às urnas; 3,84% votaram em branco e 5,80% anularam o voto. Mas o problema desta tese é que ela não explica nada, pois a situação não foi muito diferente nos anos anteriores quando o PT levou a melhor (veja tabela a seguir).
Eleição
para presidente 1º turno
|
|||
ANO
|
Brancos
|
Nulos
|
Abstenções
|
2014
|
4.420.489 3,84%
|
6.678.592 5,80%
|
27.698.475 19,39%
|
2010
|
3.479.340 2,56%
|
6.124.254 4,51%
|
24.610.296 18,12%
|
2006
|
2.866.205 2,73%
|
5.957.521 5,68%
|
21.092.675 16,75%
|
2002
|
2.873.210 3,03%
|
6.975.141 7,36%
|
20.494,760 17,78%
|
Fonte:
dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral
De certa forma as urnas refletiram o pensamento confuso que se viu nas ruas. Quem acompanhou o crescimento da manifestação, que foi deflagrada pelo Movimento Passe Livre em protesto contra o aumento do transporte público, percebeu que a movimentação ganhou em intensidade e perdeu em unidade. Várias bandeiras, ideologias, movimentos e orientações políticas se manifestaram nas ruas formando uma algaravia que, até hoje, dificulta o entendimento do fenômeno.
As urnas traduziram este protesto multifacetado que marcou as chamadas jornadas de junho. O quadro abaixo mostra o aumento da votação dos “candidatos nanicos”, tanto de esquerda quanto de direita, o que demonstra a existência de um sentimento de rejeição à polarização PT x PSDB entre parte expressiva dos eleitores (apenas o democrata cristão Eymael diminuiu sua votação). Claro que a candidatura do PV, que ao perder a “persona” de Marina Silva encolheu sensivelmente, mas, mesmo que seja expurgado do total os quase 20 milhões de votos do PV – que vamos considerar como sendo de eleitores cativos de Marina – veremos que mesmo assim os nanicos saltaram de pouco mais de um milhão de votos para 3,6 milhões. Não é pouca coisa (ver quadro abaixo).
As urnas traduziram este protesto multifacetado que marcou as chamadas jornadas de junho. O quadro abaixo mostra o aumento da votação dos “candidatos nanicos”, tanto de esquerda quanto de direita, o que demonstra a existência de um sentimento de rejeição à polarização PT x PSDB entre parte expressiva dos eleitores (apenas o democrata cristão Eymael diminuiu sua votação). Claro que a candidatura do PV, que ao perder a “persona” de Marina Silva encolheu sensivelmente, mas, mesmo que seja expurgado do total os quase 20 milhões de votos do PV – que vamos considerar como sendo de eleitores cativos de Marina – veremos que mesmo assim os nanicos saltaram de pouco mais de um milhão de votos para 3,6 milhões. Não é pouca coisa (ver quadro abaixo).
1º
turno - 2014
|
2º
turno - 2010
|
||||||
Partido
|
Candidato
(a)
|
Votos
|
Candidato(a)
|
Votos
|
|||
PSOL
|
Luciana
Genro
|
1,55%
|
1.612.186
|
Plínio
|
0,87%
|
886.816
|
crescimento
|
PSC
|
Pastor
Everaldo
|
0,75%
|
780.505
|
Não
lançou candidato
|
|||
PV
|
Eduardo
Jorge
|
0,61%
|
630.099
|
Marina
Silva
|
19,33%
|
19.636.359
|
queda
|
PRTB
|
Levy
Fidelix
|
0,43%
|
446.878
|
Levy
Fidelix
|
0,06%
|
57.960
|
crescimento
|
PSTU
|
Zé
Maria
|
0,09%
|
91.209
|
Zé
Maria
|
0,08%
|
84.609
|
crescimento
|
PSDC
|
Eymael
|
0,06%
|
61.250
|
Eymael
|
0,09%
|
89.350
|
queda
|
PCB
|
Mauro
Iasi
|
0,05%
|
47.845
|
Ivan
Pinheiro
|
0,04%
|
39.136
|
crescimento
|
PCO
|
Rui
Pimenta
|
0,01%
|
12.324
|
Rui
Pimenta
|
0,01%
|
12.206
|
crescimento
|
TOTAL
|
3,55%
|
3.682.296
|
TOTAL
(*)
|
20,48%
|
20.806.436
|
(*) Total da votação,
excluídos votos da candidata Marina Silva, passa a ser de: 1.170.077
– 1,15%.
O sentimento anti petista sempre esteve presente nas eleições realizadas após a promulgação da constituinte em 1988. A construção de um nome para impedir que o Partido dos Trabalhadores se consolide como o maior fenômeno político da história brasileira foi uma preocupação constante das elites que, invariavelmente contaram com a simpatia dos grandes meios de comunicação que atacavam as candidaturas do PT e alavancavam as que lhes criavam dificuldades.
Inicialmente a alternativa apresentada foi Fernando Collor, vitorioso em 1989 e depois Fernando Henrique Cardoso, em dois momentos, 1994 e 1998. Em todos estes casos a mídia ocupou papel central na construção, divulgação e popularização dos vencedores, além de, calculadamente, demonstrar simpatias por aqueles que podiam atrapalhar o trabalho dos petistas. A retrospectiva dos últimos pleitos mostra a existência eleitoral, em maior ou menor grau, destas “alternativas”.
Em 1998, quando FHC venceu Lula ainda no 1º turno com 54,28% dos votos, surgiu o fenômeno da candidatura Enéas que alcançou 7,38% dos votos (4,6 milhões) com apenas alguns segundos de exposição pelo horário eleitoral gratuito, Depois ele seria eleito Deputado Federal por São Paulo, em 2002, com a maior votação nominal da história republicana, 1.537.642 votos, recorde ainda não superado (Tiririca e Celso Russomano chegaram perto mas não superaram a marca).
Em 2002, primeira vitória de Lula, duas “alternativas” despontaram; Anthony Garotinho e Ciro Gomes, que juntos amealharam quase 30% do eleitorado (17,86% e 11,97%, respectivamente). Em 2006 foi a vez de Heloisa Helena que trouxe ao Psol 6,5 milhões de votos (6,85%) do total e assim chegamos em 2010 com o novo fenômeno eleitoral protagonizado por Marina Silva.
Por mais simplória e esquemática que seja esta leitura, ela demonstra que alternativas à polarização PT x PSDB nunca deixaram de se apresentar e o voto de protesto, tanto à esquerda quanto à direita, assim como o alto número de eleitores que não se fazem presente ás eleições foram constantes no período de democratização. Talvez, a única novidade esteja no fato de que Marina Silva foi a única que, em duas eleições seguidas, permaneceu no páreo presidencial com peso suficiente para definir os rumos da escolha do eleitor.
Portanto, a surpresa que emergiu das urnas e impactou algumas mentes esclarecidas não deixa de ser uma espécie de “surpresa anunciada”. De qualquer forma – esta é a lição mais perigosa – o desalento em relação a representação política pela via eleitoral não é bom para a democracia, resta saber o que ocorrerá no 2º turno.
Inicialmente a alternativa apresentada foi Fernando Collor, vitorioso em 1989 e depois Fernando Henrique Cardoso, em dois momentos, 1994 e 1998. Em todos estes casos a mídia ocupou papel central na construção, divulgação e popularização dos vencedores, além de, calculadamente, demonstrar simpatias por aqueles que podiam atrapalhar o trabalho dos petistas. A retrospectiva dos últimos pleitos mostra a existência eleitoral, em maior ou menor grau, destas “alternativas”.
Em 1998, quando FHC venceu Lula ainda no 1º turno com 54,28% dos votos, surgiu o fenômeno da candidatura Enéas que alcançou 7,38% dos votos (4,6 milhões) com apenas alguns segundos de exposição pelo horário eleitoral gratuito, Depois ele seria eleito Deputado Federal por São Paulo, em 2002, com a maior votação nominal da história republicana, 1.537.642 votos, recorde ainda não superado (Tiririca e Celso Russomano chegaram perto mas não superaram a marca).
Em 2002, primeira vitória de Lula, duas “alternativas” despontaram; Anthony Garotinho e Ciro Gomes, que juntos amealharam quase 30% do eleitorado (17,86% e 11,97%, respectivamente). Em 2006 foi a vez de Heloisa Helena que trouxe ao Psol 6,5 milhões de votos (6,85%) do total e assim chegamos em 2010 com o novo fenômeno eleitoral protagonizado por Marina Silva.
Por mais simplória e esquemática que seja esta leitura, ela demonstra que alternativas à polarização PT x PSDB nunca deixaram de se apresentar e o voto de protesto, tanto à esquerda quanto à direita, assim como o alto número de eleitores que não se fazem presente ás eleições foram constantes no período de democratização. Talvez, a única novidade esteja no fato de que Marina Silva foi a única que, em duas eleições seguidas, permaneceu no páreo presidencial com peso suficiente para definir os rumos da escolha do eleitor.
Portanto, a surpresa que emergiu das urnas e impactou algumas mentes esclarecidas não deixa de ser uma espécie de “surpresa anunciada”. De qualquer forma – esta é a lição mais perigosa – o desalento em relação a representação política pela via eleitoral não é bom para a democracia, resta saber o que ocorrerá no 2º turno.
Veja análise
de Marilena Chauí
http://www.geledes.org.br/marilena-chaui-se-diz-estarrecida-e-propoe-estudo-de-caso-sobre-reeleicao-de-alckmin/#axzz3FeDEJ8IY
Veja análise
de José Antonio Moroni
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