quinta-feira, 23 de julho de 2015

Considerações sobre o Chupa-folha


O jornalista Pedro Ivo Thomé, responsável pela seção de obituários da Folha de S. Paulo saiu da empresa e, no último texto que publicou (13 de julho), o obituário de Therezinha Ferraz Sales, assistente social que morreu aos 87 anos, compôs um acróstico com referência ao jornal.

Acróstico é uma forma poética onde as letras iniciais dos versos, quando lido na vertical, formam uma palavra ou nome. Neste caso, o jornalista escreveu uma matéria com 10 parágrafos onde as primeiras letras formavam a frase “chupa folha”. 

Quando a malandragem se tornou pública o feito “bombou” nas redes sociais. A ombudsman da Folha (na verdade ombudswoman), Vera Guimarães, considerou o texto uma “falta de ética jornalística” e “desrespeito aos leitores e à personagem”. A direção da Folha afirmou em nota que estuda as ações legais a serem tomadas.

Por outro lado, muita gente gostou.

Aparentemente, trata-se de uma espécie de vingança do repórter. Mas contra o quê? Más condições de trabalho; baixo salário; assédio moral; descumprimento de direitos trabalhistas; discordância em relação à linha editorial?

O filósofo inglês, Francis Bacon (1561 – 1626), disse que a vingança “é uma espécie de justiça selvagem”. Assim sendo, aquele que busca a vingança pretende reparar uma ofensa sofrida. Neste sentido, a sociedade desenvolveu tribunais e códigos que servem para estabelecer a “justiça”, ou seja, reparar os danos sofridos pelos cidadãos que, não mais, precisariam recorrer à vingança.

O que torna a justiça diferente da vingança é o fato de que a esta é um ato individual, enquanto aquela é mediada por tribunais imparciais, ou seja, não diretamente envolvidos na contenda.

A justiça, portanto, é feita na esfera social enquanto a vingança no campo particular.

Outra reflexão surgida deste debate é a ideia de que há uma justiça simbólica. Ancorada na antropologia existe a avaliação de que a justiça deve ser reconhecida como tal pela sociedade sob pena de ser vista como iníqua.

O fato de que alguns afirmam existir no Brasil uma justiça para os ricos e outra para os pobres é um exemplo deste campo simbólico na área do direito. Outro exemplo deste simbolismo se dá quando o Estado assume a culpa por crimes praticados por seus agentes durante uma ditadura, independentemente de outras sanções que possam sofrer os criminosos, o reconhecimento público restabelece a justiça que foi negada à época.

Por tudo isto, o “chupa folha” foi um ato de vingança (busca individual de “justiça”), que só teria uma representação simbólica eficaz se fosse de conhecimento público. Daí a necessidade de não guardar segredo sobre o feito e divulgar o ato praticado.

A ação individual do jornalista foi uma bela vingança contra o jornal, mas de pouca serventia para se fazer justiça e reparar os danos cometidos. A justiça só poderá ser alcançada quando as denúncias das condições de trabalho forem expostas, os direitos trabalhistas sonegados exigidos na esfera jurídica, os problemas levados ao sindicato para que ele passe a incidir sobre a questão e, após um longo processo de desgaste público, a empresa se verá obrigada a rever suas práticas injustas.

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