terça-feira, 22 de abril de 2014

Violência contra jornalistas e a herança da ditadura


Foto - Luis Macedo/Câmara dos Deputados

O texto abaixo é uma síntese sobre a apresentação que realizei, dia 10 de maio, durante Audiência Pública, na Câmara dos Deputados, em Brasília, na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, que debateu a violência contra os jornalistas nas manifestações do ano passado.

A liberdade de expressão e a de imprensa são essenciais para o pleno funcionamento da Democracia. Nesse sentido, o trabalho dos profissionais de imprensa deve ser entendido como parte integrante do sistema de direitos que o Estado tem o dever de proteger. Infelizmente, a sociedade tem testemunhado uma série de agressões e ameaças aos jornalistas em seu trabalho cotidiano, o que configura, ao final, em um atentado contra o direito à informação e ao pleno funcionamento das instituições democráticas.



Ao longo dos anos os casos de violência contra jornalistas tem aumentado e as estatísticas nacionais e internacionais comprovam estes fatos. Em que pese metodologias diferenciadas, por exemplo, a pesquisa anual sobre a violência contra jornalistas feita pela Fenaj registra os casos específicos envolvendo jornalistas profissionais, enquanto outras englobam radialistas e mesmo os chamados “comunicadores sociais”. Mas, independentemente das metodologias utilizadas, todas registram um aumento no número de agressões e mortes de jornalistas, colocando o Brasil em uma posição indigna entre as nações democráticas.

E o problema se agravou ainda mais a partir de junho deste 2013, quando eclodiram as manifestações de rua em todo o Brasil. A partir de então teve início um onda de violência física contra jornalistas como não se via desde os mais duros anos da ditadura.

Somente em São Paulo o Sindicato dos Jornalistas Profissionais documentou, entre os dias 11 e 18 de junho, mais de 30 profissionais agredidos. Os jornalistas foram agredidos, em sua maioria, pelas forças policiais, situação que, tecnicamente, pode ser chamada de “uso desproporcional da força”. Mas, os jornalistas também foram agredidos por parte dos manifestantes. Na prática, estabeleceu-se uma situação na qual o objetivo é intimidar o jornalista através do terror e impedir o livre fluxo da informação.

Estamos diante de é uma clara tentativa de calar a imprensa. Os jornalistas se fazem presentes nos momentos de tensão para cumprir seu dever de informar o cidadão, assim, impedir por meios violentos a livre divulgação da informação é uma pratica odiosa de censura. Não uma censura direta, como vivemos durante o regime militar, mas uma censura difusa que é estimulada pela impunidade, uma vez que os crimes contra os jornalistas em grande parte não são esclarecidos, o que, somada a truculência das forças policiais incentiva grupos radicais a também agredirem os jornalistas.

A estrutura das forças policiais ainda obedece a mesma lógica imposta pelo militares há meio século quando uma postura ideológica de enfrentamento contra uma “infiltração comunista” criou a figura do “inimigo interno” que, hoje, é identificado com as minorias e movimentos sociais. Neste quadro, o jornalista é visto como uma espécie de “agente provocador” encarregado de expor esta situação pelos meios de comunicação social.

Este fato, aliado a irresponsabilidade de alguns órgãos de comunicação que, ao invés de construir um jornalismo objetivo e fiel ao fatos, optam pelo sensacionalismo e pela exploração do emocional junto ao público, o que alimenta o caldo de cultura da violência contra a imprensa, principalmente por parte dos manifestantes.

Sendo assim, as representações sindicais e os trabalhadores devem denunciar os atos de violências e exigir um sistema adequado de proteção para o seu exercício profissional. Isto requer um arcabouço legal, a consolidação de direitos civis e coletivos, a apuração e punição dos envolvidos nos casos já ocorridos e o compromisso formal da empresas de comunicação de que irão se integrar neste sistema de defesa da liberdade de imprensa. Não podemos esquecer que todo caso de agressão a um jornalista é também um problema de segurança e de condição de trabalho, campo em que a responsabilidade empresarial é inegável.

É necessário deixar claro que a violência contra o jornalista, e de modo geral contra a imprensa, é uma questão política que tem relação com a esfera individual e coletiva. Individual quando se trata de garantir o direito do jornalista a exercer seu trabalho com segurança e dignidade. Coletiva pois calar o jornalista ameaça o direito do cidadão de receber informação através dos meios de comunicação de massa de forma objetiva, com qualidade, confiável e baseada em dados rigorosamente coletados e ordenados.

O direito social à informação é, na sociedade contemporânea, ao lado de outros direitos coletivos como a liberdade de associação política, de expressão e a religiosa, um caminho importante para estabelecer e consolidar o conjunto das opiniões e fatos que vão formar as políticas de um Estado democrático.

Chegamos a uma situação constrangedora. Estamos diante de um paradoxo político. O estado brasileiro, uma das maiores democracias representativas do mundo, com eleições regulares, com voto universal e que ampliou, nos últimos dez anos, políticas sociais que se tornaram exemplo para várias nações, simplesmente não consegue garantir aos seus cidadãos o primeiro e mais básico de todos os direitos; o Direito Civil de ter sua integridade física defendida pelo Estado.

Se lembrarmos da célebre definição de Estado dada por Max Weber de que é ele que detém “o monopólio do uso legítimo da força” a pergunta que precisa ser feita é: “estamos diante do uso legítimo da força” ou somos vítimas do abuso autoritário de um governo e de sua força policial? Se esta é a verdade o Estado perde legitimidade.

Por isso, encerro minha breve intervenção reafirmando que a violência contra os jornalistas, notadamente esta praticada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, é um problema político. Não se trata de mero despreparo, falta de comando ou ineficiência, mas sim do resultado de uma história onde o autoritarismo e a mentalidade implantada na ditadura prevaleceram.

É preciso construir uma política de segurança pública que seja democrática e voltada para a promoção dos direitos civis da população. Esta reforma deve começar, acredito, pelo debate sobre a desmilitarização das polícias para, assim, sepultar de vez qualquer resquício de violência autoritária no Estado.

No que se refere ao campo da comunicação é preciso construir uma nova lei de Imprensa, que seja moderna e democrática, que promova a responsabilidade social e o compromisso público das empresas de comunicação e, central neste quadro de violência, aprovar o PL que determina que, quando um crime contra jornalistas não for esclarecido pelas instâncias locais, passe para a esfera federal, impedindo assim que os interesses dos poderosos locais se sobreponha à justiça.
José Augusto Camargo

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