sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O arcebispo da libertação

O povo fez fila em frente à catedral da Sé para homenagear Dom Paulo Evaristo Arns na manhã do dia 15

 

Na quinta-feira, 15 de dezembro, os jornais estamparam como manchete o falecimento, no dia anterior, de Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo. Desde o início da tarde do dia anterior, quando foi divulgada sua morte, as redes sociais começaram a homenagear o religioso que fez parte da história da resistência à ditadura e da construção democrática no Brasil.
O teólogo Leonardo Boff escreveu em O Estado de S. Paulo (pág. A19 – 15/12); “considero d. Paulo Evaristo Arns a figura eclesial mais importante do século 20 no Brasil”. Isto dá a dimensão da importância que ele teve para a igreja católica como um dos expoentes da Teologia da Libertação, por entender ser ela a mais adequada para a evangelização do povo.
Esta ligação do arcebispo com a população de São Paulo ficou patente pela grande movimentação popular em seu velório na igreja da Sé.
No campo político, sua obra permanece até hoje e pode ser notada nas manifestações de algumas entidades como o MST e CMP. “Dom Paulo foi responsável pela criação de muitos dos movimentos populares filiados à CMP (Central de Movimentos Populares), escreveu seu coordenador, Raimundo Bonfim em mensagens nas redes sociais.
Para a história dos jornalistas d. Paulo ingressou definitivamente em 1975. Audálio Dantas, então presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo escreveu em seu facebook; “Muitas vezes bati à porta de d. Paulo. Principalmente nos momentos de aflição, quando a violência da ditadura militar atingia os jornalistas, como aconteceu nos dias de tensão e medo de outubro de 1975, quando o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado numa dependência do II Exército”.
Eu, na qualidade de diretor do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, conheci d. Paulo exatamente por sua participação no Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. Enquanto sua saúde permitiu ele compareceu religiosamente a entrega dos prêmios.
No ano de 2005 eu integrava a comissão de organização dos eventos relativos aos 30 anos do assassinato de Vladimir Herzog quando foi decidido pela realização de um novo ato ecumênico na catedral da Sé relembrando o ocorrido quando do assassinato do jornalista. No entanto, os tempos eram outros, d. Paulo havia deixado a arquidiocese sendo substituído por d. Agnelo Rossi e a igreja católica tomava um rumo mais conservador relegando a Teologia da Libertação a segundo plano.
O capelão da Sé, a quem não declinarei o nome, era identificado com a linha conservadora da igreja e não estava muito entusiasmado com a ideia. Impedir o culto era uma negação da missão social que havia marcado a igreja de d. Paulo nos tempos da ditadura. A negativa se dava pela falta de agenda, não seria possível alterar o calendário de missas para realizar o culto, que, em última instância, era um ato político em defesa dos Direitos Humanos e – acho que isso também era levado em conta – afinal, tratava-se de reconhecer outras religiões, inclusive de matriz africana, além de ser o homenageado um judeu.
Ao final o ato ecumênico foi realizado pois a organização, da qual fazia parte Audálio Dantas, bateu mais uma vez à porta de d. Paulo que ajudou a convencer o capelão da importância do ato.
Esta história apenas comprova as palavras finais de Audálio em sua mensagem sobre d. Paulo na rede social quando afirma que, muitas vezes, “Dom Paulo mão tinha a resposta, mas tinha uma palavra de incentivo à luta por Justiça: CORAGEM.”

Foto da abertura: Guto Camargo

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