sexta-feira, 26 de maio de 2017

A fiscalização dos gastos públicos e a democracia


Um grupo de entidades representativas de funcionários dos Tribunais de Contas lançou na Câmara Municipal de São Paulo, em 22 de maio, o movimento Muda TC, cujo objetivo é servir de “plataforma de debate, de acompanhamento dos projetos de leis que tratam dos temas e de abertura de diálogo sobre o assunto com academia, especialistas, jornalistas e agentes políticos e público em geral”.
Organizar um espaço para estabelecer uma política de transparência, eficiência e divulgação de informações sobre a questão das contas públicas e quais impactos que elas causam é, naturalmente, uma boa iniciativa a ser apoiada.

As entidades representadas no encontro se propõem a assumir o papel de indutor deste debate. A meta seria aperfeiçoar os Tribunais de Contas, pensando na democratização do acesso à informação pública e na eficiência técnica.
Mas como a vida real não é tão linear assim, é preciso abordar outros ângulos envolvidos na questão.
Os Tribunais de Contas adquiriram certa notoriedade a partir do processo de impeachment da presidenta Dilma Roussef, quando o Tribunal de Contas da União – TCU recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo. O TCU condenou o uso das chamadas “pedaladas fiscais”, o que serviu de base para a aprovação do impeachment arguindo que a prática fere a lei de Responsabilidade Fiscal (1).
A primeira reflexão a ser feita é sobre a natureza destes Tribunais que são órgãos auxiliares do Poder Legislativo com o objetivo de controle e fiscalizar o uso do dinheiro público. A polêmica começa por aqui; alguns juristas defendem que, a exemplo do Ministério Público, o órgão não está ligado diretamente a nenhum dos três poderes tradicionais pois têm função constitucional própria. Só que na prática, como foi lembrado durante o ato de lançamento do Muda TC, os Tribunais não tem a mesma autonomia do Ministério Público, mas isso pode mudar a depender algumas regulamentações em debate no legislativo.
A segunda questão relevante é sobre o seu objeto de fiscalização; o uso do dinheiro público que é arrecadado de cidadãos e empresas, através de impostos e taxas. O dinheiro do Estado deve ser usado para promover o bem-estar do cidadão (além, naturalmente, de custear o aparelho estatal). A determinação do gasto é definida pelo campo político e a construção de uma creche ou de um campo de golfe devem ser analisados pelo Tribunal de Contas da mesma forma, sem qualquer juízo de valor. Essa deve ser a regra técnica.
Mas aqui a questão também não é tão simples assim. A determinação do uso do dinheiro público pelas instâncias políticas é influenciada pelo poder político alvo ou beneficiado pelo resultado do gasto. Nesse ponto a questão é a de que os cidadãos exercem o poder político majoritariamente através do voto (não é a única forma, mas é a mais comum) e isto é feito no período eleitoral de dois em dois anos.
Já as empresas exercem o poder político de uma maneira muito mais fluida e intangível. O poder econômico se traduz em poder político que se efetiva ao longo de todo o ano atuando diretamente nas instâncias decisórias de uso do dinheiro público utilizando-se de diversos mecanismos, inclusive, métodos ilegais como pagamento de propinas ou subornos. Como patrocinam campanhas e organizam “lobbys”, possuem representantes diretos nos parlamentos e órgãos públicos defendendo seus interesses.
Portanto, não é de se admirar que o poder econômico acabe por ter mais influência nos Tribunais de Contas do que os eleitores em geral, o que só reforça a ideia de que, mesmo tendo a pretensão de atuar apenas no campo técnico, a política se faz presente no seu dia a dia.
Partindo do que foi apresentado concluímos que os Tribunais de Contas, mesmo afirmando-se como órgãos técnicos, adquirem uma dimensão política em sua atividade que não pode ser ignorada e que é necessário transparência, regras claras para a escolha de seus integrantes e controle externo por parte dos cidadãos para equilibrar sua ação. Ou a mudança proposta para os Tribunais é baseada em um compromisso de construção de uma sociedade mais igualitária e justa, onde não exista uma distância e um peso político tão desproporcional entre o cidadão e o capital, aprofundando a democracia ou poderá decair para um mero esforço corporativista de “empoderamento” de um setor do Estado em relação aos outros.

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(1) Uma matéria sobre o impeachment escrita pela Carta Capital à época – que aponta também para o papel político exercido pelo tribunal no caso, pode ser vista AQUI

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