Um grupo de entidades representativas de
funcionários dos Tribunais de Contas lançou na Câmara Municipal de
São Paulo, em 22 de maio, o movimento Muda TC, cujo objetivo é
servir de “plataforma de debate, de acompanhamento dos projetos de
leis que tratam dos temas e de abertura de diálogo sobre o assunto
com academia, especialistas, jornalistas e agentes políticos e
público em geral”.
Organizar um espaço para estabelecer uma política
de transparência, eficiência e divulgação de informações sobre
a questão das contas públicas e quais impactos que elas causam é,
naturalmente, uma boa iniciativa a ser apoiada.
As entidades representadas no encontro se propõem
a assumir o papel de indutor deste debate. A meta seria aperfeiçoar
os Tribunais de Contas, pensando na democratização do acesso à
informação pública e na eficiência técnica.
Mas como a vida real não é tão linear assim, é
preciso abordar outros ângulos envolvidos na questão.
Os Tribunais de Contas adquiriram certa
notoriedade a partir do processo de impeachment da presidenta Dilma
Roussef, quando o Tribunal de Contas da União – TCU recomendou a
rejeição das contas de 2014 do governo. O TCU condenou o uso das
chamadas “pedaladas fiscais”, o que serviu de base para a
aprovação do impeachment arguindo que a prática fere a lei de
Responsabilidade Fiscal (1).
A primeira reflexão a ser feita é sobre a
natureza destes Tribunais que são órgãos auxiliares do Poder
Legislativo com o objetivo de controle e fiscalizar o uso do dinheiro
público. A polêmica começa por aqui; alguns juristas defendem que,
a exemplo do Ministério Público, o órgão não está ligado
diretamente a nenhum dos três poderes tradicionais pois têm função
constitucional própria. Só que na prática, como foi lembrado
durante o ato de lançamento do Muda TC, os Tribunais não tem a
mesma autonomia do Ministério Público, mas isso pode mudar a
depender algumas regulamentações em debate no legislativo.
A segunda questão relevante é sobre o seu objeto
de fiscalização; o uso do dinheiro público que é arrecadado de
cidadãos e empresas, através de impostos e taxas. O dinheiro do
Estado deve ser usado para promover o bem-estar do cidadão (além,
naturalmente, de custear o aparelho estatal). A determinação do
gasto é definida pelo campo político e a construção de uma creche
ou de um campo de golfe devem ser analisados pelo Tribunal de Contas
da mesma forma, sem qualquer juízo de valor. Essa deve ser a regra
técnica.
Mas aqui a questão também não é tão simples
assim. A determinação do uso do dinheiro público pelas instâncias
políticas é influenciada pelo poder político alvo ou beneficiado
pelo resultado do gasto. Nesse ponto a questão é a de que os
cidadãos exercem o poder político majoritariamente através do voto
(não é a única forma, mas é a mais comum) e isto é feito no
período eleitoral de dois em dois anos.
Já as empresas exercem o poder político de uma
maneira muito mais fluida e intangível. O poder econômico se traduz
em poder político que se efetiva ao longo de todo o ano atuando
diretamente nas instâncias decisórias de uso do dinheiro público
utilizando-se de diversos mecanismos, inclusive, métodos ilegais
como pagamento de propinas ou subornos. Como patrocinam campanhas e
organizam “lobbys”, possuem representantes diretos nos
parlamentos e órgãos públicos defendendo seus interesses.
Portanto, não é de se admirar que o poder
econômico acabe por ter mais influência nos Tribunais de Contas do
que os eleitores em geral, o que só reforça a ideia de que, mesmo
tendo a pretensão de atuar apenas no campo técnico, a política se
faz presente no seu dia a dia.
Partindo do que foi apresentado concluímos que os
Tribunais de Contas, mesmo afirmando-se como órgãos técnicos,
adquirem uma dimensão política em sua atividade que não pode ser
ignorada e que é necessário transparência, regras claras para a
escolha de seus integrantes e controle externo por parte dos cidadãos
para equilibrar sua ação. Ou a mudança proposta para os Tribunais
é baseada em um compromisso de construção de uma sociedade mais
igualitária e justa, onde não exista uma distância e um peso
político tão desproporcional entre o cidadão e o capital,
aprofundando a democracia ou poderá decair para um mero esforço
corporativista de “empoderamento” de um setor do Estado em
relação aos outros.
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(1) Uma
matéria sobre o impeachment escrita pela Carta Capital à época –
que aponta também para o papel político exercido pelo tribunal no
caso, pode ser vista AQUI
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